* São Francisco: seu amor à natureza partia do homem como centro da criação.
“Paz franciscana não é uma coisa cheia de sacarina. Não! Isso não é o verdadeiro São Francisco! Também não é um tipo de harmonia panteísta com as forças do cosmos. Isso não é franciscano também! Não é franciscano, e sim uma noção que algumas pessoas inventaram!”
Estas palavras foram ditas numa homilia dada pelo próprio Papa Francisco durante uma visita muito divulgada a Assis, em outubro de 2013. Além disso, após enfatizar como São Francisco sublinhou a necessidade do homem de respeitar o mundo natural e “ajudá-lo a crescer, para se tornar mais bonito e mais como o que Deus criou “, o Papa acrescentou: ” Acima de tudo, São Francisco testemunha o respeito para com todos, e dá testemunho de que cada um de nós é chamado a proteger o nosso próximo, que a pessoa humana está no centro da criação, no lugar onde Deus – nosso criador – quis que ficássemos. “
Tais ideias sobre São Francisco não se encaixam bem com algumas descrições do eremita e frade medieval que surgiram nas últimas décadas. Muitas destas têm sido desenvolvidas, como disse o decano dos historiadores italianos de Francisco, Grado G. Merlo, para explorar Francisco favorecendo inúmeras agendas religiosas e políticas contemporâneas, que vão desde o pacifismo ao ambientalismo radical. O bem conhecido filme de 1972 de Franco Zeffirelli Irmão Sol, Irmã Lua apresentou o santo, por exemplo, como um tipo de excêntrico cativante, empenhado em romper as convenções. E, em seu livro de 1982, Francisco de Assis: Um Modelo de Libertação Humana, um teólogo da libertação, Leonardo Boff, retratou Francisco como alguém que, conceitualmente falando, ajudaria a nos afastar de um mundo dominado pela “classe burguesa que já dirigia nossa história há 500 anos”.
Os textos aos quais eu sempre recorro sempre que há alegações sobre Francisco de Assis são os de Agostinho Thompson que meticulosamente pesquisou seu “Francisco de Assis: Uma Nova Biografia” (2012). A verdadeira força desta biografia é a maneira em que rigorosamente analisa o registro documental e fontes e separa o que é de confiança do que é boatos e lendas.
Então, quais são alguns aspectos da vida de São Francisco detalhados no livro de Thompson que irão surpreender muita gente? Um deles é que, embora ele procurasse desapego radical do mundo, Francisco acreditava que ele e seus seguidores deveriam se engajar em trabalho manual, a fim de adquirir necessidades básicas como alimentos. O esmolar foi sempre uma alternativa secundária (29). Outro é que Francisco achava que a vida sacramental da Igreja exigia uma preparação cuidadosa, o uso dos melhores vasos sagrados (32), e vestimentas adequadas (62). Isto é compatível com a convicção de Francisco que o contato mais direto com Deus estava na Missa, “não na natureza ou nem mesmo no serviço aos pobres” (61). Embora Francisco seja com justiça chamado um pacificador que amava os pobres, Thompson sublinha a “absoluta falta de qualquer programa de reformas legais ou sociais” (37) do santo. A palavra “pobreza” em si aparece raramente na produção literária de Francisco (246). Parece que Francisco também considerava que era a absoluta pobreza, ao invés da relativa, que “sempre apelava à compaixão” (40).
Quando se fala de dogma e doutrina católicos, Francisco não era nenhum dissidente. Ele era, como Thompson coloca, “ferozmente ortodoxo” (41), mesmo insistindo mais tarde em sua vida que os frades culpados de abusos litúrgicos ou desvios dogmáticos deviam ser detidos por autoridades eclesiásticas mais altas (135-136). Por isso, não nos deve surpreender que a famosa conversa de Francisco no Egito em 1219 com o Sultão al-Kamil e seus assessores não foi um exercício de gentilezas inter-religiosas. Embora Francisco certamente não zombava do Islã, o santo educadamente afirmou a seus interlocutores muçulmanos que ele estava lá para explicar a verdade da fé cristã e salvar a alma do sultão (66-70). Nada mais nada menos.
Francisco é, naturalmente, especialmente lembrado pelos cristãos e outros por seu amor à natureza, tanto que outro santo, João Paulo II, proclamou-o padroeiro dos “que promovem a ecologia” em sua Bula de 1979, Inter Sanctos. A profunda afinidade de Francisco com a natureza e animais foi sublinhada por aqueles que o conheciam. A matança de animais ou vê-los sofrer o perturbava profundamente (56). A este respeito e muitos outros, Francisco não via o mundo natural e os animais como coisas para serem temidas ou tratadas apenas como recursos para uso (57).
Ao contrário de muitos outros reformadores religiosos medievais, no entanto, Francisco rejeitava a abstinência de carne e não era vegetariano. Nem havia qualquer traço de panteísmo na concepção que Francisco tinha da natureza (56). Referências e alusões de Francisco à natureza em seus escritos, pregação e ensino foram esmagadoramente tiradas das escrituras em vez do próprio meio ambiente (55). De modo mais geral, Francisco via a beleza da natureza e o mundo animal como algo que deveria conduzir à adoração e louvor a Deus (58) –e não coisas para serem investidas com qualidades divinas. A popular biografia de G.K. Chesterton em 1923 de Francisco faz uma observação semelhante: embora ele amasse a natureza, Francisco nunca adorou a natureza por si. O relacionamento de Francisco com a natureza, observa Thompson, não deve ser romantizado. O santo até via vermes e ratos, por exemplo, como “agentes do diabo” (225).
Ninguém deve ficar surpreendido por nada disso. São Francisco de Assis era, afinal, um católico. Ele, portanto, aceitava a visão judaica e cristã, que não só é o Criador o Senhor de sua criação, mas que a cúpula de seu mundo criado é o homem. A consciência desta verdade fundamental, de acordo com Santo Inácio de Loyola – fundador da ordem dos jesuítas – é central para ficar mais perto de Deus. Nos Exercícios Espirituais, Inácio identifica o “princípio fundamental” para superar o ego, o saber que o homem foi criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor, salvando assim sua alma. Tudo o resto na Terra foi criado por causa do homem, para ajudá-lo a alcançar o propósito para o qual ele foi criado. Assim, segue-se que o homem tem que usá-los na medida em que eles ajudam e abster-se deles onde eles impedem o seu propósito.
Nem Inácio de Loyola nem Francisco de Assis tratavam o mundo criado como uma abstração cor de rosa. Apreciar e respeitar o meio ambiente não significa desprezar tudo o mais que existe, incluindo os seres humanos, o trabalho humano, e criatividade humana, ou esquecendo-se que, como o Padre da Igreja, Santo Irineu de Lião, uma vez escreveu: “A glória de Deus é o homem inteiramente vivo . “
Por mais que lenda e mitologia tenham desfocado o verdadeiro Francisco de Assis ao longo do tempo, o genuíno drama de sua vida e as forças que ele desencadeou na Europa medieval significa que ele está, talvez, fadado a ter alguns programas ideológicos impostos em seu nome. No final, no entanto, devemos lembrar que, enquanto Francisco de Assis continua a ter muitas coisas a dizer a todos, hoje, no centro de todas estas coisas está a visão católica de Deus, do homem e do mundo.
Pode-se dizer com segurança que, para o próprio São Francisco, qualquer outra interpretação seria impossível.
Por Samuel Gregg
Samuel Gregg é Diretor de Pesquisa no Instituto Acton. Ele é autor de muitos livros.
Este artigo foi retirado e traduzido livremente do site www.crisismagazine.com
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